terça-feira, 14 de junho de 2011

Do planejamento à avaliação dos resultados



por Daiane Schmitt

Os suíços são famosos pela qualidade de seus relógios: elegantes, resistentes e, principalmente, muito precisos. A fama iniciou em Genebra, por volta do século 16, e a indústria de relógios evoluiu rapidinho. Com tanto interesse por precisão, não é à toa que tenham sido os suíços a criarem a International Organization for Standardization – ISO, ou, em português, Organização Internacional de Padronização. A ISO 9001 é uma das mais conhecidas e fornece normas para estabelecer um modelo de gestão da qualidade para qualquer organização, independentemente do tipo ou tamanho.

Há dez anos, no entanto, a entidade resolveu criar a ISO 10015 para dar algumas diretrizes sobre treinamentos organizacionais. A proposta é orientar como devem ser feitos o planejamento, a execução, a monitoria e mensuração dos resultados dos treinamentos – ações que, de uma forma ou de outra, acabam contribuindo para a qualidade geral dos processos empresariais.

Na prática, segundo Benedito Milioni, especialista em treinamento e educação corporativa, a ISO 10015 ajuda a sistematizar e dar um cunho profissional àquilo que geralmente é feito com muito amadorismo e improvisação. Quantas empresas simplesmente não treinam ou, quando o fazem, tudo é feito sem nenhuma pesquisa. Sobra boa vontade, mas infelizmente falta profissionalismo. Sebastião Guimarães, consultor da T&G Treinamento e autor do livro Em busca da eficácia em treinamento, afirma que a empresa que implementar essa norma terá resultados na certa. “Inclusive resultado financeiro mensurado”, destaca.

Embora os suíços às vezes tenham fama de “certinhos demais”, a dica de Milioni é não encarar a ISO como uma norma chata, que vai burocratizar o trabalho, já pensando numa maneira de burlar a auditoria. “A ISO dá sistematização e legitimação ao processo de treinamento. Fica bom para todo mundo: a empresa, que sabe que está no caminho certo, e o funcionário, que tem a certeza de receber um treinamento pensado para ele”, afirma.



De acordo com a norma, os treinamentos oferecidos devem atingir, entre outros, os seguintes resultados estratégicos:

·       Aumentar a produtividade, as vendas, o lucro e o retorno do investimento.

·       Reduzir custos, desperdícios, acidentes e rotatividade do pessoal.

·       Melhorar continuamente a gestão da qualidade.

A norma deixa claro que o treinamento é um investimento, e não uma despesa, que deve ser desenvolvido com o objetivo de obter resultados significativos e mensuráveis. Só que convencer a alta diretoria sobre isso nem sempre é muito fácil. Graziela Vidal, que trabalha no RH da FIAMM, empresa que produz buzinas automotivas, sofreu um pouco no início. “A maior dificuldade que encontrei foi mudar a visão da alta administração quanto à área de treinamento e desenvolvimento. Desenvolver e reter talentos é fundamental para que o processo de implementação realmente tenha sucesso, mas para isso é necessário um esquema de gestão de pessoas bem estruturado e apoio total da direção da empresa”, analisa.

Segundo Milioni, outro problema é que as companhias colocam a certificação na parede e ficam felizes por isso, sem muitas vezes levar o trabalho realmente a sério. “Elas têm que implementar a norma porque acreditam na qualidade e sistematização de processos e, principalmente, nas pessoas, não apenas pela certificação na parede”, destaca.

Graziela percebeu que, com a implementação da ISO, todos na empresa passaram a ter maior interesse no desenvolvimento das competências. “Os treinamentos são melhor avaliados, com programas desenvolvidos voltados às necessidades dos treinados. O que acontecia antes é que, muitas vezes, apenas parte do conteúdo programático era pertinente às atividades desenvolvidas e, consequentemente, o treinamento era ineficaz”, destaca.

Ela ainda comenta que os clientes da FIAMM são muito exigentes e, com a implementação da norma, o relacionamento com eles tem melhorado muito, já que os colaboradores estão mais capacitados.

Como implementar a norma

Os chocolates suíços não se tornaram uns dos melhores do mundo de um dia para outro. Foi preciso muito teste de qualidade e, principalmente, processos cuidadosos durante toda a fabricação dessas delícias. O mesmo acontece com as empresas que desejam colocar em prática a ISO 10015. O primeiro passo é fazer um diagnóstico da realidade da empresa e definir a situação desejada depois da implementação, ou seja, onde estamos e aonde pretendemos chegar:

· Diagnóstico (onde estamos)
· Defina claramente a situação atual.
· Observe e faça pesquisas com clientes, fornecedores, colaboradores, etc. Todos devem dizer quais são os problemas – o que já está bom não serve.
· Prognóstico (aonde queremos chegar)
· Defina aonde a empresa quer chegar, sem exagerar no sonho.
· A situação desejada deve ser uma meta possível, que tenha prazo para ser atingida.

Definição das necessidades de treinamento

Com as informações de diagnóstico e prognóstico, é possível analisar quais são as necessidades reais de treinamento da organização para então dar continuidade ao processo. Veja como deve ser o ciclo de treinamento das organizações:



O mais importante na definição das necessidades reais de treinamento é mapear as competências essenciais (que estão relacionadas com a organização) e as individuais (que estão relacionadas com os funcionários). Para isso, é preciso fazer uma análise crítica das competências atuais, definindo as lacunas e identificando as soluções. “Uma palavra-chave na norma é o gap, que é quando o indivíduo não tem a competência total requerida pela empresa. Isso acontece em todo momento com a tecnologia, por exemplo, em que os profissionais precisam sempre de reciclagem”, afirma Sebastião.

Rodrigo Ribeiro, que trabalha no departamento de RH da Egpron, empresa pública de gerenciamento de projetos navais, colocou a ISO 10015 em prática e sentiu dificuldades ao definir as necessidades de treinamento. “A empresa em que atuo tinha o costume de premiar colaboradores com cursos, sem que o verdadeiro motivo – que é a melhoria da capacitação – fosse observado de fato. Ela vem melhorando o levantamento das necessidades e, atualmente, os empregados indicados para eventos de capacitação e conscientização têm sido realmente os que mais necessitam de aprimoramento”, comenta.

Ele sugere que, antes de qualquer coisa, as empresas identifiquem as competências relacionadas aos colaboradores: “É o primeiro passo para o efetivo desenvolvimento de qualidades para depois alcançar a excelência na produtividade e, consequentemente, nas metas organizacionais”. Hoje, os treinamentos da Egpron têm uma completa definição dos objetivos e conteúdos programáticos, o que permite que o público-alvo seja determinado com maior precisão.

Projeto e planejamento do treinamento

Depois de definir as reais necessidades de treinamento da empresa, o RH analisa quais são as restrições existentes para a realização dele e também qual o melhor método de ensino. Educação a distância pode ser interessante quando a empresa tem mais de uma sede, aulas via internet também podem ser uma boa opção. É preciso ver quais são os recursos e estudar a melhor maneira de passar o conteúdo ao colaborador.

Segundo o livro Em busca da eficácia em treinamento, o ideal é fazer um plano de curso, com justificativa, objetivos geral e específicos, público-alvo, metodologia e carga horária. Essas informações ajudarão a definir exatamente quem deve receber o treinamento e por que está recebendo. Cada aula precisa ter objetivos geral e específico, definição do conteúdo programático e tempo de duração.

Execução do treinamento

Ao selecionar quem vai ministrar o curso, o RH ou a pessoa responsável deve dar todo o apoio antes, durante e depois do treinamento, oferecendo informações, materiais necessários e estrutura adequada. Depois da execução, é importante que o responsável receba informações dos alunos e do instrutor sobre como foi o curso. Com esses dados, é possível realimentar os gerentes e outros envolvidos no processo de treinamento.

Avaliação dos resultados

Como provar que o chocolate suíço é melhor que o da concorrência? Embora a fama já indique a qualidade, não seria possível lançar um novo sabor no mercado sem antes verificar indicadores como textura, cheiro, aparência e consistência. A avaliação é a garantia da qualidade nesse caso.

No trabalho de gestão de pessoas, a avaliação é a melhor maneira de provar que o treinamento é necessário. “Ou você prova que é bom para a empresa ou não serve”, acredita Milioni. Mesmo assim, muitos consideram a avaliação difícil e subjetiva. Milioni discorda completamente: “É extremamente objetivo. O que falta é sistematização. Fica difícil mensurar algo que não é sistematizado. Tem que ser precedido de um diagnóstico de necessidades de treinamento realmente focado em resultados e que ofereça indicadores precisos da carência daquilo que o treinamento deseja alcançar”.

Segundo ele, indicadores são informações que derivam da análise de uma situação, ou seja, dados que ajudam as pessoas a interpretar o que deve ser feito. Qualquer situação possui um, até uma simples entrevista pode ter indicadores:

·       Tempo de duração da conversa.
·       Quantas perguntas foram feitas.
·       Objetividade de quem responde.
·       Objetividade de quem pergunta.
·       Grau de exatidão das respostas.

Esses exemplos são todos indicadores de qualidade. A ISO não traz métricas prontas, porque elas variam de empresa para empresa, mas sugere que os profissionais que estão implementando o programa estudem a situação para encontrar os melhores indicadores. “O que está errado, o quanto está errado. O que está faltando, o quanto está faltando. Quais são as consequências do mau desempenho, etc.”, sugere Milioni.

No livro Em busca da eficácia em treinamento, Guimarães recomenda algumas maneiras de avaliar o resultado:

·      Avaliação do retorno sobre investimento – Para fazer essa avaliação, é preciso isolar os efeitos de um treinamento, o que geralmente é feito com base em estimativas. Para isso, é necessário ter certeza de que as fontes utilizadas são as mais confiáveis possíveis.

Retorno sobre Investimento (ROI)

·       Calcular os benefícios do treinamento.
·       Calcular os custos.
·       Subtrair os custos dos benefícios.
·       Dividir o benefício líquido pelo custo.

 Exemplo:

·       Benefício: R$100.000,00
·       Custo: R$25.000,00
·       Benefício líquido: R$75.000,00
·       ROI: 3 (para cada real investido no treinamento, houve retorno líquido de R$3,00).
·       Faturamento per capita – É a comparação da produtividade pessoal antes e depois do treinamento.
·       Custo saúde – Usado para treinamentos relacionados à saúde e à segurança do colaborador. Determine os gastos com planos de saúde antes e depois do treinamento.
Outros fatores que podem ser considerados são o absenteísmo, os acidentes de trabalho, os atestados médicos e as doenças ocupacionais.

·       Custo de turnover – Calcule os custos (diretos e indiretos) de desligamento e contratação de pessoal e veja o quanto diminuiu depois dos treinamentos.
·       Atitudes dos empregados e desempenho da empresa – A melhoria nas atitudes dos empregados pode gerar aumento da satisfação dos clientes e do desempenho da empresa.

Kellyn Cunha é professora da Universidade Paulista (Unip) e ensinou seus alunos a aplicar a ISO de treinamento em suas empresas. Ela afirma que a maioria teve resultados positivos e percebeu que os treinamentos passaram a ter mais critério no planejamento, aplicação e avaliação. “Algumas organizações venderam 15% a mais em relação aos meses em que não havia treinamento. Uma empresa de prestação de serviços (lavagem de carros a seco) conseguiu fidelizar mais seus clientes e teve um aumento de 20% no lucro, pois os consumidores que já frequentavam o local perceberam que o atendimento estava muito melhor e levaram outros clientes”, destaca.

Custos

A adoção da ISO 10015 não é cara para a empresa: é muito mais boa vontade que realmente um investimento alto. “Com um par de horas de boa vontade e trabalho aplicado, você consegue colocar em prática”, afirma Milioni. Segundo Sebastião Guimarães, a ISO 10015 não é uma norma certificada no Brasil. “É uma norma auxiliar, quando uma empresa certifica a ISO 9000, subentende-se que toda a empresa está certificada, inclusive o RH”, explica.

Além disso, Guimarães gosta de ressaltar que, embora a norma trate de treinamento, nem sempre há necessidade de treinar. “Então, a sugestão é sempre não treinar, se possível”, diz o consultor. Ele afirma que, se você faz uma seleção primorosa do candidato, não há necessidade de treinar sempre, porque ele terá as características de que você precisa. Além disso, treinamento não é a solução para todos os problemas das organizações, já que muitas vezes o que falta são processos alinhados e planejados corretamente. “Primeiro melhore, analise ou elimine o processo para depois treinar – porque treinar um processo ruim é tempo perdido”, finaliza.

Para saber mais:

Livro: Em busca da eficácia em treinamento
Autor: Sebastião Guimarães e Jorge de Paiva Campos
Editora: NELPA

Sobre a ISO

A organização foi fundada em 1947 e, desde então, aprova as normas internacionais em todos os campos técnicos, reunindo entidades de padronização e normatização de 170 países. No Brasil, é representada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Daiane Schmitt é formada em jornalismo pela UFSC e faz especialização em Marketing Empresarial na UFPR. Escreve para as revistas Liderança e VendaMais.
E-mail: daiane@editoraquantum.com.br
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