terça-feira, 19 de outubro de 2010

O Valor da Norma ISO 10015 para as Organizações

Introdução

São muitos os problemas que enfrentam os profissionais da área de treinamento para desenvolver e treinar pessoas. Num artigo publicado há alguns anos, listei 20 problemas que considero mais comuns em atividades de treinamento. A ocorrência desses problemas pôde ser verificada após contato com cerca de 1500 profissionais da área de T&D (Treinamento & Desenvolvimento) em diversos eventos de diferentes magnitudes.
Pois bem, falando agora de soluções para tais problemas, acredito que esses profissionais podem dizer que suas preces foram finalmente ouvidas. Trata-se da publicação da NBR ISO 10015 – Diretrizes para o treinamento.
Apesar da norma ter sido publicada no Brasil há mais de 10 anos, ainda é bastante grande o número de pessoas que desconhecem sua existência, recomendações e os benefícios de sua implantação num departamento de T&D ou RH.

Histórico

Inicialmente, a idéia de se produzir uma norma na área de treinamento, não é uma idéia nova. Ela nasceu no início de 1992 quando a delegação sul-africana no TC-176 propôs sua criação para compreender melhor os requisitos da ISO 9001 referente ao treinamento. A norma em vigor então, era a versão 1987.
Provavelmente, já se percebia desde lá a fragilidade e superficialidade dos requisitos de treinamento, que foram infelizmente mantidos na versão de 1994.
Vencidos os trâmites para o desenvolvimento de um documento normativo, criou-se o grupo de trabalho (WG 4) alocado ao Subcomitê 3 (SC 3) – Tecnologias de suporte.
A primeira reunião do WG4 aconteceu na Hungria em setembro de 1993, com a presença de representantes de 20 países.
Seis anos depois, após muitos drafts e discussões, foi aprovada por grande maioria a publicação da ISO 10015 – Quality Management – guidelines for training, na reunião do ISO/TC 176 em São Francisco – USA. A versão brasileira foi publicada no Brasil pela ABNT com a denominação NBR ISO 10015 – Gestão da qualidade - Diretrizes para treinamento, em 2001.

Descrição

O texto final aprovado é muito claro, limpo e sintético com frases bem diretas e concisas sobre o tema. Essa objetividade ajuda bastante o leitor/usuário na compreensão dos requisitos e em seu uso para adoção completa ou como fonte de referência para a redação de trechos de procedimentos de treinamento.
A norma se divide em alguns capítulos que tentarei descrever e comentar a seguir.

Capítulo 0 Introdução

Aborda aspectos referentes a princípios da gestão da qualidade e a importância das organizações em treinar seus empregados num mundo em constante mutação. O capítulo fornece indicações de aplicação, reforçando sua utilidade para prover orientação à interpretação de referências de treinamento e educação nas normas da família ISO 9000.
O capítulo aborda também a possibilidade de análise das necessidades de competência a partir das exigências de melhoria contínua impostas pelo mercado.
Fechando o capítulo, um diagrama, apresenta conceitualmente como isolar o treinamento de outras necessidades da organização e indica orientações para identificar e analisar as necessidades, projetar e planejar, executar, avaliar e monitorar e melhorar o processo de treinamento.

Capítulo 1 Objetivo

Reforça o objetivo da norma em prover diretrizes para o desenvolvimento, implementação, manutenção e melhoria das estratégias e dos métodos de treinamento que afetem a qualidade dos produtos.
Aqui se encontram as indicações sobre aplicação e finalidade da norma. Um detalhe neste capítulo diz respeito ao propósito de certificação, que não se aplica. Há, porém, pelo menos um organismo no mundo já credenciado para a certificação da ISO 10015 que é a Adequate da Suíça (www.adequate-international.org). Iniciativas como essa poderão desencadear uma evolução no texto, incentivando a certificação dos departamentos de treinamento. Afinal, a certificação é um processo universal aceito por praticamente todos os países do globo, sobretudo em tempos de disputas comerciais acirradas que exigem uma competitividade classe mundial de seus propensos participantes.
A norma não faz qualquer menção ao termo “habilidade”, citada na ISO 9001:2008. Isso não chega a fazer falta, uma vez compreendido que a habilidade é a competência relacionada ao “saber fazer” ou seja, competência prática, igualmente suprida em processos de treinamento, a que se refere esta norma.

Capítulo 2 Referência normativa

A única referência é da NBR ISO 8402. Hoje a norma equivalente é a NBR ISO 9000:2005.

Capítulo 3 Termos e definições

Aqui são definidos os termos “competência” e “treinamento”, faltando as expressões “habilidade” e “educação”, ambos também de interesse dos usuários.

Capítulo 4 Diretrizes para treinamento

Neste capítulo estão as prescrições recomendadas para a implementação de um processo de treinamento planejado e sistemático que pode dar uma importante contribuição para a organização atingir seus resultados.

Apesar de ser previsto um processo de monitoração, a norma relaciona quatro estágios para o desenvolvimento de um programa de treinamento:
a) definição das necessidades de treinamento
b) projeto e planejamento do treinamento
c) execução do treinamento
d) avaliação dos resultados do treinamento

Cada um dos estágios do processo de treinamento é descrito na norma. Aqui também são dadas diretrizes para a contratação de serviços de treinamento e feitas menções sobre a participação das pessoas em geral, visando obter um sentimento de co-autoria, indispensável para o sucesso do programa de treinamento.

Quanto a responsabilidade em si, a ISO 10015 não chega a ser tão exigente como, por exemplo a norma VDA6.1, que delega a responsabilidade pelo treinamento à gerência imediata. Essa responsabilidade, mais aberta, se adequa bem à realidade brasileira, acostumada a presença de um departamento de treinamento bastante atuante.

O primeiro estágio de levantamento das necessidades é feito em 6 passos e oferece ao usuário um leque de opções além do já surrado LNT, bastante utilizado pelas organizações Brasil afora:

a) definição das necessidades da organização
b) definições e análise dos requisitos de competência
c) Análise crítica das competências
d) Definição das lacunas de competência
e) Identificação de soluções para eliminar as lacunas de competência
f) Definição da especificação das necessidades de treinamento

Os passos de descrição de competências necessárias, sua comparação com as competências existentes e a conseqüente lacuna a eliminar, é tratada de forma sucinta, porém agregando bastante ao pequeno trecho no capítulo 6.2.2 da ISO 9001:2008.

A saída do estágio de levantamento das necessidades é parte da especificação do programa de treinamento, descrito no estágio seguinte.

O segundo estágio, que trata do projeto e planejamento do treinamento, descreve o processo de criação do programa, incluindo a identificação de restrições à realização do treinamento, a determinação dos métodos didático-pedagógicos possíveis, a especificação de um programa de treinamento e finalmente diretrizes a seleção do fornecedor do treinamento.

a) definição de restrições
b) métodos de treinamento e critérios de seleção
c) Especificação do programa de treinamento
d) Seleção do fornecedor do treinamento

Acredito que este é o capítulo de maior contribuição para o processo de treinamento para as empresas brasileiras. Habituados a planejar treinamento a partir de programas oferecidos pelas empresas de consultoria, os Analistas de Treinamento terão boas oportunidades para exercitar sua habilidade em determinar conteúdos a serem trabalhados bem como os métodos didáticos mais adequados à cada grupo ou turma. Essa com certeza é uma atitude muito mais pro-ativa, podendo contribuir significativamente para o desenvolvimento de programas muito mais eficazes.

A especificação do programa de treinamento prevista nesse capítulo é um documento extremamente útil durante a fase de negociação do treinamento com as partes envolvidas, servindo também para contratar cursos semelhantes a posteriori.

Uma das informações mais importantes prevista na especificação são os critérios para avaliação dos resultados (avaliação da eficácia), determinada antes, portanto da própria realização do treinamento, e não depois, como tenho visto em muitas empresas. Isso não só é mais coerente como também facilita o trabalho de avaliação posterior, além de prevenir reações adversas com os treinandos ou gerência que solicitou o treinamento. Pense nisso.

O estágio 3 que trata da Execução do treinamento é bastante simples e aborda as atividades de apoio antes, durante e depois do treinamento, objetivando municiar todas as partes com informações e recursos, acompanhar a atividade durante o treinamento e apoio ao final através de recebimento de informações dos participantes e do instrutor.

a) Apoio pré-treinamento
b) Apoio ao treinamento
c) Apoio ao final do treinamento

Apesar de sua simplicidade e obviedade, quem nunca se deparou com uma sala suja e desprovida dos recursos que havia solicitado com toda a antecedência do mundo?

Quanto ao estágio 4 de avaliação dos resultados, a ISO 10015 orienta as organizações a executar avaliações a curto prazo e a longo prazo para determinar se ambos, os objetivos da organização e do treinamento foram alcançados, ou seja, se o treinamento foi eficaz.

a) Avaliação a curto prazo: satisfação do participante e conhecimentos e habilidades adquiridos
b) Avaliação a longo prazo: aumento da produtividade e desempenho do participante

Uma observação interessante é a premissa de que o treinamento não pode ser plenamente avaliado até que o treinando possa ser observado e avaliado no local de trabalho. Isso sugere que, o que não foi aplicado não pode ser avaliado. Além disso, o texto esclarece de uma vez por todas qualquer dúvida sobre a finalidade da avaliação de reação, aquela que se faz logo após o treinamento, como instrumento de avaliação de eficácia.

A norma cita também a avaliação de aprendizado, que pode ser aplicada na forma de prova teórica, prática ou ambos, como avaliação de curto prazo.

Quanto a avaliação de longo prazo, os critérios devem se basear sobre os resultados em termos de produtividade ou desempenho no trabalho, alinhado portanto às orientações de especialistas em processos de T e D.

Capítulo 5

Monitoramento e melhoria do processo de treinamento

Finalmente, o processo de monitoramento do treinamento, que não faz parte dos quatro estágios, mas que figura como parte integrante do gerenciamento da atividade.
A norma ISO 10015 recomenda, se possível, a adoção de pessoal independente, sugerindo talvez a realização de auditoria. Isso fica por conta de cada organização. O objetivo é verificar se o processo de treinamento está devidamente gerenciado e implementado de forma a comprovar a eficácia do processo em alcançar os requisitos do treinamento da organização.
Após o monitoramento, um parecer em termos de validação deve ser emitido para aprovar ou recomendar ações para melhoria.

Comentários

A ISO 10015 é uma norma que deve ser utilizada pelas organizações brasileiras, sobretudo dada a importância do treinamento para o aumento da competitividade empresarial e mesmo nacional. Afinal a competição hoje não é com a empresa do lado, mas com empresas da Coréia, Japão, Alemanha, só para citar alguns.

Defendo inclusive, a adoção maciça da ISO 10015 a começar pelo próprio governo, numa verdadeira marcha para retirar o Brasil do rodapé da lista de empresas mais competitivas do planeta (Fórum Econômico Mundial, Genebra, 1999 - Brasil: 34º país no quesito Treinamento da pessoa entre 59 pesquisadas).

Possíveis dificuldades

Quanto às possíveis dificuldades para adoção, é impossível deixar de pensar nos enxutos departamentos de T e D. A falta de pessoal, no entanto, não é impedimento para acrescentar anos-luz de melhorias no processo de treinamento, bastando um pouco mais de criatividade e trabalho de equipe.

Benefícios

Os benefícios para as empresas que adotarem a ISO 10015 de forma efetiva e criativa, respeitando as restrições e realidade da organização, são muitos entre os quais cito:

• redução do desperdício em atividades mal planejadas ou executadas
• mais apoio da Direção em termos de incentivo e mesmo verbas
• aumento da competência do quadro
• melhoria dos resultados operacionais
• aumento da credibilidade da atividade e do departamento de treinamento

Evidentemente, benefícios como esses são resultados e um processo de implantação bem dirigido além de persistência para a busca contínua a médio/longo prazo.

Relação com a ISO 9001:2008

Apesar da adoção da NBR ISO 10015 não ser obrigatória, é recomendada pelo IAF – International Accreditation Forum e pelo Comitê Brasileiro da Qualidade CB-25.
Essa adoção, se feita, atende com folga os requisitos da ISO 9001:2008 sobre a educação, treinamento e habilidades. O requisito relativo à experiência deve ser atendido através de vivência prática.
Adaptabilidade com outras técnicas e práticas
A ISO 10015 é flexível e perfeitamente ajustável às técnicas e novidades mais recentes na área de T e D como a Gestão da Competência, ROI – return in investment, Universidade Corporativa, OJT – on the job training, certificação profissional, avaliação 360 graus, auto-formação, etc.
Evidentemente, algumas soluções mais elaboradas devem ser trabalhadas para realidades e situações mais complexas.

Conclusão

O Brasil tem urgência na melhoria de sua competitividade para fazer frente à competição externa. E para isso, bilhões de reais devem ser inevitavelmente investidos nas próximas décadas na preparação de nossa força de trabalho operacional e gerencial. A adoção da ISO 10015 seria uma forma de garantir a melhoria no gerenciamento desse esforço em escala microeconômica, porém com efeitos macroeconômicos promissores.
Talvez não seja por acaso que na Suécia, um dos países mais competitivos do mundo, a norma ISO 10015 vendeu nos primeiros sete meses após publicação, 10% a mais que a própria ISO 9001:2000 no mesmo período. Talvez nós estejamos fazendo algo de errado. Ou eles de certo.

Bibliografia

ORIBE, Claudemir Y. A Hora e a Vez da ISO 10015. Banas Qualidade, São Paulo: Editora EPSE, ano XIII. n. 141, fevereiro 2004, p. 24-28. Com ilustrações.
ABNT NBR ISO 10015 – Gestão da Qualidade - diretrizes para o treinamento.
CAMPOS, Jorge de Paiva; GUIMARÃES, Sebastião. Em Busca da Eficácia em Treinamento. São Paulo: ABTD, 2009. Disponível em http://portal.abtd.com.br.
ORIBE, Claudemir Y. Avaliando o treinamento. Banas Qualidade, São Paulo: Editora EPSE, ano XI, n. 123, Agosto 2002, p. 53-55.

Claudemir Oribe - Consultor organizacional especializado em Gestão de Treinamento e Desenvolvimento - T e D - Análise e Solução de Problemas e Gestão da Qualidade. Mestre em Administração com MBA pela Fundação Dom Cabral, Especialização em Consultoria Organizacional e Engenharia Econômica. Cursos de Lead Assessor e Total Quality Management pela AOTS - Japão. Membro do CB-25 da ABNT e Conferencista por 4 ocasiões no Congresso Brasileiro da Qualidade e Produtividade. Vencedor do Prêmio as Melhores Práticas de Gestão de Pessoas da ABRH-MG (2002).